Os turistas que visitam o antigo bairro judeu em Praga têm a impressão de estar fazendo uma viagem através do tempo. A controvérsia sobre a lendária criatura do Golem de Praga aumenta o clima de mistério da área, na qual encontram-se 30 magníficas estátuas barrocas.
Embora a comunidade judaica de Praga fosse melhor tratada pela aristocracia local do que o eram a maioria dos judeus da Europa, ainda assim os judeus eram vítima freqüente de ataques anti-semitas e de uma política oficial discriminatória. Em 1357, por exemplo, o rei Charles IV determinou o confinamento de toda a população judaica em um único bairro. Em Pessach de 1389, três mil judeus entre homens, mulheres e crianças foram assassinados. Eram épocas difíceis para a comunidade de Praga.
No final do século XVI, quando o rabino Judah Loew (1520-1609), um dos mais respeitados e queridos sábios do Leste Europeu, tornou-se Grão-rabino de Praga, o perigo para os judeus era iminente. O Maharal, nome pelo qual o rabino se tornou conhecido, estava ciente do perigo. O ódio era incitado pelo bispo Tadeusz, judeu convertido. Como resultado, explodia a violência e sangue judeu era derramado.
O sacerdote católico usava todos os recursos para prejudicar o povo que repudiara. Repetia para as massas de Praga a caluniosa acusação de que os judeus assassinavam crianças cristãs. O Maharal tentara desesperadamente apaziguar os ânimos, mas seus apelos à razão e à justiça não obtiveram resultado. A agitação atingira seu ponto máximo e a comunidade judaica receava um massacre. O Maharal, que rezava constantemente para que D'us os ajudasse, apelou, então, para os Céus.
Conta a tradição que o sábio teve um sonho no qual recebeu indicações de como poderia evitar a catástrofe que ameaçava abater-se sobre seu povo. A resposta veio oculta nas dez primeiras letras do alfabeto hebraico. O Maharal, além de ser um grande sábio, mestre na Torá, no Talmud e na Cabalá, possuía poderes mentais e espirituais inigualáveis. Por isso, entendeu a mensagem que lhe indicava fazer uma figura de argila que se transformaria em um Golem. Esta criatura teria, então, meios para destruir os inimigos de Israel.
Na manhã do dia seguinte, 20 de Adar de 1580, mandou chamar seu genro e seu discípulo preferido. Contou-lhes seu sonho, a revelação que tivera e a decisão de criar um Golem. Ao ver o espanto dos dois, avisou que aquela não seria a primeira vez em que se criaria este artifício. Muitas tentativas haviam fracassado no passado, mas o Talmud contava que o sábio Rava havia conseguido.
Yossel, o Golem
Os três homens foram à mikvê, na qual se purificaram por três dias, rezando, jejuando e santificando seu espírito e coração com extrema devoção. Ao amanhecer do terceiro dia, prepararam um pacote de roupas do tamanho de um homem normal e levaram-no a um lugar fora da cidade, próximo às margens do rio Vlatva. Lá, moldaram um boneco de argila com a aparência de um homem inclinado, com a cabeça voltada para o céu.
O Maharal disse a seu genro, um Cohen, que desse sete voltas ao redor do boneco repetindo certos nomes e letras sagradas. Depois, disse a seu discípulo, da tribo dos levitas, que fizesse o mesmo. E, por fim, ele próprio fez o mesmo. Tendo terminado a última volta, colocou um pergaminho onde escrevera o nome de D'us sob os lábios da figura de argila. Em seguida, recitaram sete vezes, unidos em grande concentração, o versículo da Torá que diz: "E Ele insuflou em suas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivo". Neste momento, o Golem abriu os olhos. Então o Maharal ordenou-lhe que se erguesse, cobrindo-o com as roupas que haviam trazido.
"Seu nome é Yossi", disse o Maharal. "Eu o criei, com a ajuda de D'us, para que cumpra a missão divina de proteger os judeus contra seus inimigos. Você obedecerá a todas as minhas ordens, não importa o que eu ordene, pois é destituído de vontade própria. Seu lugar será dentro do Beit-Din, onde terá as funções de shamash".
Feito isso, os três homens partiram em direção à cidade, seguidos pela criatura que tinha a aparência e os movimentos de um homem normal. Embora mudo, pois o poder da fala só podia ser concedido por D'us, e desprovido de quaisquer pensamentos ou inteligência, o Golem compreendeu o que o Maharal lhe havia dito.
Ele ficava, o dia todo, sentado no Beit-Din, sem nada falar ou fazer, o olhar vazio. Ninguém na comunidade sabia quem era nem de onde viera. Deram-lhe o apelido de Yossi, o mudo. Ninguém, exceto o Maharal, podia dar-lhe ordens ou recorrer a seus serviços. Se falassem com ele, não reagia; nunca abria a boca. Seu rosto só se animava quando o Maharal lhe falava. Então, escutava atenta e humildemente, partindo a seguir para executar a missão.
As missões do Golem
Todas as histórias sobre o Golem começam freqüentemente da mesma forma: um judeu acusado injustamente por crimes imaginários. E terminam também da mesma forma: o Golem intervém para que tudo volte a seu devido lugar. Segundo a tradição, o rabino Loew, o Maharal, era quem lhe dava ordens, pois o Golem não tinha inteligência própria. Assim, com a ajuda da criatura, desfaziam-se os complôs do bispo Tadeusz. Certa ocasião, salvou uma menina judia de se converter à força. Em outra, após o Maharal descobrir que a matzá para Pessach havia sido envenenada, o Golem descobriu o culpado.
Dez anos após ter sido criado, a situação dos judeus havia melhorado e o Maharal concluiu que a missão do Golem terminara. Em 1590, durante Lag Ba'Omer, o Maharal ordenou-lhe que o acompanhasse ao porão da sinagoga. Lá, disse-lhe que se deitasse e abrisse a boca. O sábio tirou o pergaminho no qual estava escrito o Nome Divino e disse à criatura: "Você é pó e vai voltar ao pó". Yossi, o Golem, cumprira o seu destino.
Anos mais tarde, no entanto, espalhou-se entre os judeus de Praga uma lenda segundo a qual Yossi, o Golem, não virara pó, mas estava escondido desde 1590 no sótão da sinagoga de Praga em profundo sono.
Lenda ou realidade
Visitando Praga, é fácil ser atraído pela lenda do Golem através de dois pontos turísticos. O inesquecível e emocionante Cemitério Antigo Judaico, no bairro judeu, no qual se encontram mais de 12 mil túmulos do século XV. Embora vários líderes renomados da cidade estejam enterrados lá, o mais visitado é o túmulo do Maharal. E, assim como o Muro das Lamentações, em Jerusalém, está repleto de bilhetes de orações e pedidos. O segundo local que atrai os turistas é a Sinagoga Alt Neue (Antiga Nova), construída em 1280, única em funcionamento até hoje. As outras sinagogas viraram museus. É a mais antiga casa de orações judaicas na Europa e uma das construções góticas mais antigas de Praga. Reza-se nesta sinagoga há mais de 700 anos, com exceção do período da Segunda Guerra Mundial. E, enquanto se ora, ao olhar para o teto arredondado, surge a dúvida. E o Golem, ainda estaria no sótão?
Mas será que o Golem realmente existiu? Rabinos famosos afirmaram que sim. Recentemente, o rabino Moishe New, líder chassídico do Canadá e diretor do Centro da Torá de Montreal, ao ser questionado sobre o assunto respondeu: "O Talmud relata momentos nos quais outros Golems foram criados para proteger a vida dos judeus, exatamente como fez o Maharal".
E acrescenta: "Ao corpo do Golem foi dada uma alma e assim tornou-se uma espécie de anjo dentro de um corpo feito pelo homem. Os anjos são tidos como criaturas que não têm livre arbítrio e não são capazes de fazer julgamentos morais. São "robôs" espirituais subservientes a seus construtores. O Maharal, enfatiza o rabino New, era cabalista, além de filósofo e talmudista. Escreveu uma série de 20 livros baseados na Cabalá chamados de Guevrot Hashem, ou O poder de D'us".
Para o sábio canadense, "Rabi Loew tinha o dom de expressar ensinamentos cabalísticos de uma forma racional tornando-os acessíveis ao homem comum. Com certeza, a existência do Golem foi testemunhada por pessoas da época e faz parte da história oral dos judeus". Quanto ao paradeiro do corpo, o rabino canadense mantém o que diz a lenda: "Está no sótão da Sinagoga Alt Neue (Antiga Nova), debaixo de pilhas de livros sagrados envelhecidos pelo tempo".
Mas o diretor do Museu Judeu de Praga e outros líderes da comunidade de Praga não compartilham da mesma opinião. Segundo ele, o Golem nunca existiu. "Muitos vêm a Praga atraídos pelas suas lendas, especialmente os judeus chassídicos. Já fui acordado duas vezes no meio da noite, quando algumas pessoas me chamaram pedindo que eu as levasse ao sótão da sinagoga para ver o Golem. Consegui convencê-los de que a criatura nunca existira".
Quanto à negação dos líderes da comunidade sobre a existência do Golem, o rabino New tem a seguinte interpretação: "O Maharal não queria que ele fosse venerado e, assim sendo, há um segredo absoluto sobre essa criatura e seu corpo".
A lenda do Golem de Praga inspirou muitos escritores. Em 1838, o jornalista checo-alemão, Franz Klutschak, escreveu uma história chamada "O Golem e o Rabi Loew". Em 1947, o "Galerie der Sippurum", publicado pelo editor Wolf Pascheles, de Praga, menciona o Golem de Loew entre seus famosos contos. O best-seller de 1915, de Gustav Mevrink, de Viena, também fala sobre o Golem. O cinema mudo também fez a sua parte com dois filmes alemães: uma versão de 1914, co-dirigida e co-produzida por Paul Wegener; e uma segunda, em 1920, mais uma vez estrelada por Wegener. Mais recentemente, a lenda do Golem foi reescrita por dois grandes autores: Isaac Bashevis Singer, que publicou em 1982 o livro "O Golem", e Elie Wiesel, que também escreveu um livro com o mesmo título. Lenda ou realidade, com certeza, o Golem ainda inspirará inúmeros escritores, de várias gerações.
Bibliografia:
Gut wirth, Israel - The Kabbalah; Wiesel, Elie, O Golem.